Neste episódio do Minuto Agro, o Podcast da Indigo, falaremos sobre a safra de 2021/2022 e o que esperar do ponto de vista mercadológico, abordando tendências de preços, inflação, PIB, risco de desabastecimento, entre outras informações. Participa deste episódio Ivan Wedekin, que já foi Secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, atua no mercado financeiro como Diretor da BM&FBOVESPA e CEO da Bolsa Brasileira de Mercadorias.
Transcrição
Aline Araújo: Bem-vindos a mais um episódio do Minuto Agro – é questionando que se evolui, o podcast da Indigo. Eu sou a Aline Araújo, da Indigo e vou hoje vamos abordar o contexto mercadológico da Safra de 2021/22, falando sobre as principais tendências e desafios que esperam os produtores rurais nesta temporada.
Aline Araújo: O Brasil é o terceiro maior produtor de alimentos do mundo, ficando atrás apenas da China e dos Estados Unidos. Além disso, segundo a Associação Brasileira da Indústria e Alimentos, a ABIA, só em 2020 o Brasil exportou comida para mais de 180 países, dada a relevância do setor que representou 26.6% do PIB em 2020. No episódio de hoje, vamos falar sobre as perspectivas para a safra 2021, cujo plantio começou no último dia 16 de setembro e avança em todo o país. O que esperar do ponto de vista de mercado, abordando tendências de preços, inflação, PIB, risco de desabastecimento, entre outras informações. Para conversar sobre o assunto com a gente, hoje temos como convidado Ivan Wedekin, que já foi Secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, atua com o mercado financeiro como diretor da BM&BOVESPA e CEO da Bolsa Brasileira de Mercadorias. Sejam muito bem-vindos ao nosso episódio de hoje do Minuto Agro, o podcast da Indigo.
Ivan Wedekin: Muito obrigado Aline, muito obrigado a todos do Minuto Agro, é um prazer estar aqui com vocês, estamos aqui dispostos a continuar apoiando o agronegócio brasileiro.
Aline Araújo: A gente quem agradece a sua presença. Sejam muito bem-vindos ao Minuto Agro, é questionando que evoluímos. Para começar a nossa conversa, eu queria que você contasse um pouco da sua trajetória no agro.
Ivan Wedekin: Olha, Aline, eu sou engenheiro agrônomo formado pela ESALQ lá em Piracicaba e a minha carreira toda foi muito ligada às questões da economia agrícola e gestão de empresa. Eu passei pela Fundação Getúlio Vargas, por entidades de representação dos produtores, como a Sociedade Rural Brasileira, atuei no início da formação da ABAG, tive uma experiência também na indústria de insumos como diretor da Agroceres, onde trabalhei doze anos e na consultoria também. Tive uma experiência muito importante na Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura com o ministro Roberto Rodrigues e como você mencionou eu fui diretor da bolsa, então, BM&FBOVESPA, atual B3 e também da Bolsa Brasileira de Mercadorias e mais recentemente eu estou envolvido no projeto que resultou na indicação de Alisson Paulo e Neve para o prêmio Nobel da Paz de 2021.
Aline Araújo: É uma jornada muito bacana, pensando um pouco da sua passagem pela Secretaria de Política Agrícola no Ministério da Agricultura, que foi no início dos anos 2000 até hoje, o que mudou no agronegócio brasileiro?
Ivan Wedekin: Nesse meu período lá de 3 anos e meio, a partir de janeiro de 2003, a agricultura brasileira se tornou ainda mais gigante e global. A grande transformação, na verdade, começou com a estabilização da econômica brasileira com o Plano Real lá em 1994, com o impulso enorme em 1999, quando o Banco Central do Brasil mudou o regime cambial brasileiro de um câmbio fixo para um câmbio flutuante, que é o que temos até hoje. Então a política macroeconômica de câmbio flutuante levou a uma desvalorização da moeda e isso foi um grande incentivo para a expansão do agronegócio brasileiro, que como eu comentei, hoje o brasil tem o maior saldo da balança comercial agrícola do mundo. E lá na Secretaria de Política Agrícola nós implantamos uma mudança profunda no sistema de financiamento da agricultura, que até então era muito dependente do sistema nacional de crédito rural criado lá em 1965. Depois da CPR de 1994 a grande transformação veio em 2004, quando nós criamos os títulos de agronegócio, a letra do agronegócio, a LCA, o certificado de recebíveis do agronegócio. Implantamos também a subvenção do seguro rural no Brasil, aí a agricultura brasileira continua a dar cada vez mais show de bola no cenário global, Aline.
Aline Araújo: É ótimo esse panorama que você trouxe. Tenho várias perguntas aí sobre todo esse assunto que você falou sobre financiamento e sobre o tamanho, enfim, do agronegócio. Pensando um pouco sobre a safra de grãos 2021/2022. Quais são as perspectivas para o mercado brasileiro?
Ivan Wedekin: Olha, nós estamos em uma safra 2020/2021, que foi a colheita desse ano civil de 2021, com um ponto muito fora da curva, dada a extensão dos problemas climáticos que o Brasil está enfrentando ao longo desses últimos meses, que afetou não só apenas a agricultura, mas o setor de energia no Brasil, um impacto muito grande no abastecimento de água e na vida das pessoas. Então, nós temos aí uma safra de grãos a ser colhida nesse ano de 252 bilhões de toneladas, segundo a Conab e o potencial de produção seria de quase 280 bilhões de toneladas, então nós temos uma perda muito grande e isso vai impactar a safra 2021/2022, como você comentou, o plantio começa a partir da regularização das chuvas aqui no centro-sul brasileiro. Nós do Brasil temos todas as condições de recuperar o nível de produção há um entusiasmo muito grande na agricultura, na disposição de investimento dos produtores, obviamente há um receio com o clima, há um receio com o aumento do custo de produção dessa safra, mas a perspectiva de preços internacionais e também da cotação de dólar no Brasil criam a perspectiva de um ano na colheita de 2022 e também de boa rentabilidade, especialmente para aqueles agricultores que tiverem um bom nível de produtividade.
Aline Araújo: Você mencionou muito bem a questão climática. A safra passada teve impacto por causa de uma seca que atrasou o início do plantio e trouxe impacto no início de plantio de safrinha e como a safrinha se desenvolveu, e afetou negativamente todos os números. Existe alguma tendência para que esse cenário de seca se repita para esse ano? E qual o impacto que o clima pode trazer para os resultados da produção desta safra?
Ivan Wedekin: Olha, nós temos um atraso de chuvas, elas tendem a ser normalizarem a partir de agosto, mas no final do ano e começo do ano que vem poderemos ter impacto, os meteorologistas estão dizendo que esse ano é um ano de fenômeno La Niña, então isso pode representar chuvas abaixo do normal, especialmente no sul do país. Mas o clima é um processo dinâmico, nem sempre temos as melhores ferramentas para fazer a previsão, então esse ano vai ser um plantio assim de um olho no queijo e outro olho no gato, no sentido dos produtores cuidarem muito bem das suas lavouras. Esse atraso das chuvas aqui no centro-sul brasileiro poderá provocar um atraso no plantio da segunda safra de milho e que, portanto, pode ocasionar problemas de produtividade no ano que vem. Mas isso é muito cedo ainda para afirmar se vamos ter um novo problema climático, provavelmente nós não teremos essa gravidade que o Brasil está enfrentando da maior seca dos últimos 90 anos com amplas repercussões, como eu comentei, para toda a sociedade brasileira.
Aline Araújo: Sim, você mencionou também a respeito da Conab. Estudos recentes sugerem que para a safra brasileira 2021/2022 haverá uma queda na produção e consumo de alguns grãos, mas números de exportação recorde. O que você pode acrescentar em relação a isso e como que o clima está associado com essa tendência?
Ivan Wedekin: Olha, como eu comentei, a colheita para esse ano estimada pela Conab é de 252 milhões de toneladas. A soja, a Conab prevê uma safra de 136 milhões de toneladas, quase 9% acima do ano passado. A estimativa do Ministério da Agricultura é de que o faturamento, ou seja, a receita dos produtores de soja, vai alcançar 360 bilhões de reais, um aumento de 28% na receita dos produtores em relação ao ano passado. Então, esse é um elemento extremamente positivo no aumento da renda e da liquidez do campo. No milho, por conta de uma queda acima de 20% da safrinha, na segunda safra de milho, nós vamos ter uma queda na produção total no Brasil de 16%. Isso é uma situação ruim para esses produtores bastante afetados, mas ainda no ponto de vista da receita dos produtores de milho, somada em 122 bilhões, isso é um aumento de 7%. Então, significa que os preços dos produtos estão compensando essa quebra da quantidade física da produtividade das lavouras do milho. Então nós temos assim um cenário bastante favorável de preço de milho, de preço de soja, de café, o preço do boi aqui em São Paulo acima de R$ 300 a arroba, tudo isso está dando uma injeção de liquidez do campo, criando perspectiva de novo aumento de área plantada e, mais importante, de uso de tecnologia no campo, apesar dos altos preços nos insumos agrícolas desse plantio da safra 2021/2022.
Aline Araújo: Um dos pontos que você mencionou foi a respeito da importância do crédito. E a gente sabe que o financiamento é fundamental para que o setor se desenvolva de forma sustentável e gere benefício econômico ao país. O Plano Safra vem garantindo o financiamento de insumos e outros custos que viabilizam o plantio e a criação animal, principalmente por parte de pequenos e médios produtores. Para o ciclo 2021/2022, a iniciativa continua, mas com algumas regras alteradas. Você pode falar um pouco sobre o que significa e representa o Plano Safra, o que mudou para 2021/2022?
Ivan Wedekin: Olha, o Plano Safra foi bastante aprimorado ao longo dos últimos 20 anos, criando, vamos dizer assim, uma espinha dorsal em relação ao financiamento da agricultura. Nós tivemos diversos governos nesses últimos 20 anos, de diferentes tendências políticas ou até ideológicas, mas em todos eles foi mantida a prioridade à agricultura brasileira. Só para fazer um balanço, Aline, na safra 2020/2021, que encerrou em 30 de junho do corrente ano, foram aplicados 271.6 bilhões em crédito rural, o que representa um aumento de 27%, ou seja, teve muito mais crédito à disposição dos agricultores. Mas o que me chama mais atenção é o crédito para investimento, para a compra de máquinas e equipamentos, é o investimento que transforma a produção, que eleva o pacote tecnológico e, portanto, moderniza a agricultura. Foram 76 bilhões de crédito para investimento, um aumento de 56%, ou seja, enquanto a economia brasileira está relativamente parada com uma crise no setor industrial não agrícola, muitas dificuldades no setor de serviços, transporte, companhias aéreas, hotéis e assim por diante, o agricultor manda um recado claro para o Brasil: “Nós estamos investindo”, e por quê isso? Porque a agricultura brasileira é competitiva, ela é aberta à concorrência Internacional e tem no crédito um aliado muito importante. Além desses 270 bilhões de Crédito Rural oficial, nós temos 200 bilhões na praça financiando através dos títulos do agronegócio, e temos aí uma quantidade enorme de Fintechs, de empresas, inclusive a Indigo, entrando no financiamento do que eu chamo do financiamento comercial privado do agronegócio, porque todo mundo quer emprestar dinheiro para setor que é competitivo e setor que está dinâmico e expansão no mercado internacional. Então, resumindo, o crédito é um pilar essencial da competitividade do agronegócio brasileiro, Aline.
Aline Araújo: Você trouxe à tona um ponto muito importante, a economia. Estamos num cenário de inflação alta, provocada por diversos fatores, como a alta de preços internacionais de commodities, a desvalorização do real, a elevada demanda por bens e a escassez de energia elétrica devido à crise hídrica. Como isso impacta diretamente nessa próxima safra brasileira?
Ivan Wedekin: Pois é. Infelizmente, o impacto maior é sobre os consumidores. O Brasil está com mais de 14 milhões de desempregados, muito subemprego, uma crise econômica e social de proporções como não vimos há muito tempo. A inflação dos alimentos projetada para 2021 pela Fundação Getúlio Vargas é de 14%, então, a inflação da comida chegou à mesa dos brasileiros e para o ano que vem a condição que nós temos hoje ainda é de uma pressão inflacionária vinda do lado dos alimentos. O impacto sobre os agricultores, especialmente da área de grãos é de um aumento no custo de produção, porque o Brasil para produzir depende de fertilizantes e defensivos, cujos os preços explodiram no mercado internacional, também por conta de uma crise de energia na China. A China depende do uso de carvão e a legislação ambiental chinesa tá sendo cada vez mais restritiva e muitas fábricas estão paradas na produção de matéria-prima de fertilizantes, especialmente de defensivos agrícolas. Esse quadro internacional também aumentou o preço do frete, fritando o bolinho. Nós temos aí, especialmente na área dos grãos, um aumento de talvez de 30% no custo de produção do produtor. É um impacto ruim, mas o fato é que na agricultura sempre quando há uma desvalorização do câmbio, ou seja, quando o preço do dólar sobe no Brasil, ele aumenta o custo dos insumos, mas aumenta mais ainda o preço dos produtos agrícolas, especialmente esses produtos que são negociados no mercado internacional. Então isso acaba sendo um colchão de proteção para o agricultor brasileiro, que dentro dessa realidade tem um fluxo de caixa positivo, um balanço positivo e ele vai continuar investindo na atividade com essa expansão que nós estamos projetando aí para a safra de grãos nessa temporada 2021/2022, apesar do mau humor do clima.
Aline Araújo: E dado todo esse contexto econômico, como você analisa a tendência de preços dos grãos no Brasil?
Ivan Wedekin: Olha, os preços internacionais andaram recuando nessas últimas semanas, era natural, porque soja chegou a bater mais de USD 14 o bucho em Chicago, recuou. E a instabilidade política brasileira, nós temos uma instabilidade política, bota fervura no preço do dólar, até as notícias recentes dão conta de que muitas empresas que exportavam, o Brasil teve um volume recorde de exportação de todos os produtos, essas empresas estão deixando no exterior 46 bilhões de dólares. Então, como essa grana não entrou dentro do Brasil, portanto, não teve aumento da oferta de dólar, e portanto, a cotação do dólar tá mais alta do que deveria ser, e essa cotação continua alta quando você tem instabilidade na economia e na política. Então, nesse sentido, pode até ser que os preços na colheita do ano que vem sejam menores pelos agricultores. Mas eles vão garantir, principalmente para a soja, milho, para o boi, uma rentabilidade muito especial para a agricultura e para pecuária brasileira. Claro que aqueles setores mais dependentes do mercado interno, como a produção de leite, por exemplo, o preço do leite, segundo o Cepea subiu 6%, mas os custos mais de 10%. Então, mas assim, no frigir dos ovos, nós vemos um potencial de recuperação da economia agrícola brasileira, de novo para uma trajetória de expansão na produção, Aline.
Aline Araújo: Você trouxe alguns fatores externos bem interessantes e pensando nisso vamos falar sobre o risco no abastecimento de fertilizantes. Como isso pode ser explicado e qual seria uma alternativa para não impactar nos preços finais de produção?
Ivan Wedekin: Não temos alternativas, porque o Brasil depende da importação de matérias-primas de fertilizantes, que são feitas lá no Marrocos, em outros países, então como eu comentei, os fretes estão mais altos, a disponibilidade de navios é menor. Então, nós temos aí um cenário de aperto no abastecimento, mas o agricultor sabe que o negócio dele é um negócio de longo prazo. Ele colhe uma safra, ele já tem que de imediato já tem que começar a montar a sua cesta de insumos, adquirindo, fixando preços e que ele não pode comprar de última hora. Então, eu imagino que a maior parte dos agricultores profissionais já estão com os seus insumos, fertilizantes, sementes, dentro das suas propriedades agrícolas, e poderão fazer o seu plantio a partir de agora no Centro-Sul brasileiro dentro de uma realidade de custos um pouco maior, mas nós também temos o benefício de preços dos produtos agropecuários bastante estimulante e rentáveis para agricultura brasileira. É só esperar que São Pedro não jogue contra novamente, como aconteceu esse ano, Aline.
Aline Araújo: Bom, a gente tá chegando ao final do nosso episódio e eu gostaria de fazer uma última pergunta. Ivan, pensando em todo esse cenário que conversamos, pensando principalmente no momento econômico do Brasil, qual a mensagem final que você gostaria de deixar para os nossos ouvintes sobre o impacto da safra 2021/2022 na nossa economia e principalmente, qual a relevância no processo de retomada do crescimento da nossa economia?
Ivan Wedekin: A agricultura é um negócio gigante e global, que depende muito pouco de orçamento do governo. Eu fui secretário de política agrícola, o custo da política agrícola brasileira é de cerca de 8 bilhões de reais por ano para um setor, cuja estimativa de renda é de 1.1 trilhão para esse ano. Então nós temos uma política agrícola sofisticada no mecanismo crédito, no financiamento dos títulos privados, nós temos uma política muito bem desenhada, de respeito à economia de mercado, privilegiando o investimento para os produtores, porque ela está embasada na competitividade da agricultura brasileira, especialmente no profissionalismo e dedicação dos agricultores brasileiros, que dão um show de bola no mercado global. Então é uma mensagem de otimismo, de confiança. Como eu disse, a agricultura brasileira é gigante e global, mas ela tem raízes fincadas no interior, não apenas do ponto de vista da atividade econômica, mas também no coração de muita gente.
Aline Araújo: Bom, esse foi o episódio de hoje do Minuto Agro. Eu espero que vocês tenham gostado. Obrigada, você, ouvinte por nos acompanhar até aqui. No episódio de hoje a gente teve o prazer de receber Ivan Wedekin, que veio dar aula para a gente a respeito do panorama da safra 2021/2022. Ivan, muito obrigada, nossa conversa foi ótima.
Ivan Wedekin: Prazer é meu, Aline, um abraço a todos do agronegócio brasileiro e um agradecimento especial aí ao pessoal da Indigo por essa colher de chá para bater um papo aí com os agricultores e o Brasil como um todo, obrigado.
Aline Araújo: Obrigada, Ivan.